Manifesto Oil Fantasy #06: Sinalizar oportunidades

 



Quando falamos em desafio, pensamos logo em perigo, risco, problema e nas tretas que vêm pela frente, mas se esquecem de um elemento que muitas vezes justifica todo esforço e responde àquela pergunta clássica: por que vou me enfiar nessa masmorra podre, em que tudo é feito para me matar? A oportunidade da recompensa. 

Vamos ver como a Oil Fantasy encara a recompensa?

Risco e recompensa

O tempo todo os jogadores estão medindo risco e recompensa, em suas decisões, em um jogo de Oil Fantasy. Muito risco sem uma isca interessante e à altura não costuma engajar os jogadores. Ninguém topa enfrentar um mar de vermes gigantes e venenosos para resgatar uma armadura de couro ordinária e toda esgarçada. 

É importante sinalizar, logo de cara, oportunidades de recompensas à altura dos desafios.

Um exemplo sempre faz bem, vamos lá:

 "A Ilha de Segrelles finalmente emergiu, depois de 1.000 anos submersa. Nela, o Grande Templo de Varilux, com seus lendários tesouros e segredos arcanos, aguarda aventureiros que se arrisquem a desbravar seus labirínticos corredores e o temível guardião invisível, que só pode ser visto pelos moribundos".

Informar o básico do desafio e da recompensa vai fazer um chamado para a aventura consistente, portanto não dê chance que estas informações não sejam comunicadas. Fazem parte da proposta de jogo e, a partir disto, os jogadores poderão investigar detalhes, tomar linhas de ação e desenvolver a ficção. Lembre-se: faz parte da agência do jogador a capacidade de se informar.

 


É importante, também, entender como o jogo se relaciona com cada tipo de recompensa. Mas que tipos são esses?

Recompensas mecânicas

Quando o sistema de jogo prevê determinada recompensa com tratamento mecânico, a isca se torna ainda mais forte. Usando o D&D clássico de exemplo, tesouros são a maior isca para os desafios, pois cada moeda de ouro resgatada à civilização gera 1 ponto de XP que serve para ganhar níveis, progredindo de poder mecanicamente. 

Ter essas recompensas calçadas mecanicamente nos desafios vitais de uma aventura, ou no início de uma campanha, garante uma isca quase irresistível, porque mesmo que o personagem não tenha muitos motivos para comprar o desafio, o jogador tem. Se a proposta é um jogo de exploração, é apropriado estipular ganhos mecânicos para descoberta de marcos, distância viajada, regiões mapeadas, etc. Quanto mais objetiva e quantificada, melhor. É uma garantia de que os jogadores toparão mais facilmente os desafios e proporão outros nesse sentido.

As recompensas mecânicas são uma espécie de MacGuffin encarnado no Oil Fantasy. 

Isso não quer dizer que não se possa incluir nos desafios recompensas sem tratamento mecânico.


Recompensas dinâmicas

Conforme os jogadores tentam superar os desafios e evolui o mundo de aventuras, novos conflitos, desejos e oportunidades surgirão. Elas podem ou não tracionar a aventura, então não conte com o ovo no cu da galinha. 

Lembra desse exemplo? 

"Através de um presságio, vocês descobriram que há como conseguir redenção de suas vidas bandidas. Caso consigam fazer o podre Tio Massaroca confessar todos os seus pecados, vocês serão poupados do inferno, em troca de uma vida eterna apenas monótona. O que vocês fazem?"

Não há qualquer garantia que todos os personagens buscarão a redenção se não houver uma recompensa mecânica atrelada a isto. Alguns podem buscar o hedonismo até a danação, por exemplo, e levar a aventura para outro rumo. Outros podem simplesmente não querer fazer nada a respeito porque não acredita em deuses, e não há problema nenhum nisso.

É importante não depender de uma recompensa sem tratamento mecânico para que o jogo ande a partir de um chamado pra uma aventura.

Por outro lado, as recompensas sem tratamento meânico aparecem de forma mais orgânica e trazem muito engajamento, caso perseguidas, porque gozam de mais contexto na ficção e são percebidas, normalmente, por iniciativa dos próprios jogadores.

Já vivi uma campanha em que, depois de muito caçar tesouros em incursões das mais diversas, tendo o grupo já estabelecido seus domínios, ele precisou encontrar velhos conhecidos em uma missão diplomática para conseguir que certo povo goblin se aliasse em uma guerra contra um mal maior, que ameaçava a cidade controlada pelos jogadores.

A recompensa - aliança com os goblins - não tem um tratamento mecânico previsto, mas é uma isca muito boa para a perigosa missão diplomática, e o melhor: é uma meta estabelecida pelos próprios jogadores.


Atuação do mestre

É importane que o mestre fique atento a essas oportunidades que surgem espontaneamente na ficção e as utilize como isca para elaborar novos desafios paralelos, que podem ser perseguidos a qualquer momento pelos jogadores.

Além disso, em Oil Fantasy, buscamos mecanizar as recompensas relativas a conquistas e relativas ao foco no desafio. Tratamos assim, de forma mecânica, esta parte já mais objetiva da relação lúdica em vez de encapsular o desenvolvimento narrativo espontâneo dos personagens, que fica livre e emergente.

Outra coisa importante: as duas categorias não são estanques. O próprio ouro em D&D clássico, no exemplo dado, cumpre o papel de uma recompensa espontânea quando os personagens estiverem precisando de dinheiro, por exemplo. As coisas se entrelaçam, mas podemos sempre usar esta lente para entender melhor a oportunidade de ganho na construção do desafio.

Em seguida, vamos analisar como apimentar o jogo com perigos e oportunidades paralelos.

 


Comentários

  1. Muito elucidativo, isso é algo que já tinha impactado meu modo de abordar o jogo como narrador desde que o assunto foi apresentado no café. É especialmente interessante com esse tópico está conectado com a agência do jogador, precisamos propor um desafio atrativo quando sentamos na cadeira de mestre e evitar empurrar aventuras épicas motivadas por puro altruísmo barato.

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    1. Épico não é algo que se propõe, é algo que eventualmente acontece, dizaí hahahahah

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  2. Oi Balbi, estava refletindo sobre este artigo. Será que "recompensa ficcional" não seria um melhor nome que "recompensa dinâmica"? "Recompensa mecânica" é um termo mais óbvio, é objetivo, é um bônus ou um movimento especial. Já "dinâmica" é um termo que me lembra energia e transformação. Acho que não é bem isso a idéia que você estava passando. Me passou mais uma noção de "soft power", ou um "poder de influência" qualitativo na narrative. Você deu o exemplo da aliança; outros seriam informação, status ou autoridade social, e imóveis em jogo. Fiquei tentando achar um advérbio que se encaixasse melhor para este conceito, mas acho que também não fui muito feliz. O melhor que consegui foi "recompensa ficcional"... meio blá, não imprime o potencial. É uma recompensa que ajuda o jogador a influenciar a narrativa ao invés do resultado de rolagens, né?

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    1. Boa! Vc tem razão. Acho que não precisa nem de um nome. Vou colocar para "recompensa sem tratamento mecânico"

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  3. Eu não gosto do conceito de tesouro=experiência. Acho errado passar para os jogadores a falsa ideia de evolução pelo acúmulo de riqueza, pois reflete apenas propaganda ideológica sem lastro com a materialismo histórico-dialético.

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