Sabe quando você tem uma situação a ser resolvida no RPG, mas absolutamente nada dá certo? Você começa a tentar uma solução e o mestre nem deixa você desenvolver o pensamento e já sacode a cabeça dando uma risadinha de leve? E aí você percebe: seu objetivo não é superar os problemas apresentados no jogo, mas ler a mente desse DM com síndrome de esfinge: só há uma resposta para seu desafio.
Vamos analisar o caso.
Para que criar todo um contexto para o seu desafio, se nenhuma das soluções que os jogadores trarão servirão para resolvê-lo? É importante entender o que rola e o que não rola e que o mestre não bloqueie todas as idéias que não sejam as suas.
Se as únicas soluções possíveis para os desafios que o DM propõe são as que pensou previamente, uma única solução que preparou, mesmo que haja um bom contexto, com oportunidades e riscos paralelos, seu jogo corre certos perigos.
Problemas com poucas soluções possíveis
Quando o mestre talha um desafio com apenas uma solução possível, mesmo que ele deixe pistas e dicas, a possibilidade dos jogadores não descobrirem essa única resposta é alta. E se isso acontece, o jogo simplesmente empaca e, conforme o grupo cansa, vai aumentando a sensação de um fracasso ruim, que fica na conta do desafiador, que não deu liberdade aos jogadores para agirem fora de seu ideal de ação. E é aquilo: se uma das coisas mais legais do RPG é compartilhar a ficçãoo e a narrativa emergente do grupo, o mestre está abrindo mão de infinitas possbilidades de jogo ao pautar as soluções previamente.
Aí, para não sacanear o grupo, o DM acaba pegando leve. Induz os jogadores à única solução que admite ou arruma um NPC para resolver, para não ficar com o fracasso dos jogadores em suas mãos e empurrar o jogo pra frente. Pensar em apenas duas ou três soluções estanques carrega o mesmo problema, que no fundo é esta postura que não admite uma amplitude de resoluções para além das previamente concebidas.
Problemas em admitir qualquer solução
Por outro lado, tem mestre que admite no sigilo, orgulhosamente, que qualquer solução que os jogadores trouxerem resolverá o problema. Esse mestre se sente curado da necessidade de se sentir no controle da aventura, mas no fundo também impõe sua vontade sobre os outros.
Afinal de contas, se qualquer coisa que os jogadores fizerem vai dar certo, o sucesso já foi determinado pelo mestre, sem que eles tenham a chance de falhar, o que desconfigura um desafio. Mesmo que eles tenham a impressão de que suas decisões causaram impacto na ficção, não foi o caso, uma vez que o sucesso já estava decidido.
Tal mestre ilusionista pode até alegar que se os jogadores não souberem que qualquer solução serviria, o impacto sentido se manteria, então em teoria tudo bem. O que ele não percebe é que, neste ponto, ele deixou de ser responsável apenas por apresentar um bom desafio, mas também por entreter os jogadores com seu ilusionismo, o que começa a demandar uma série de expedientes e desafios que estão para muito além do jogo. Com isso, o mestre acaba buscando cada vez mais controle dentro do jogo, porque não pode deixar a ilusão cair e, com isso, toda relação lúdica se abala.
Falta de informação por conta de improviso
É comum também, sobretudo durante o improviso, que o mestre não tenha material suficiente para informar os jogadores, porque ainda está processando o desafio em sua mente, então resolve aproveitar tudo que os jogadores trazem, aceitando não só a solução mas adequando os obstáculos e problemas para abraçá-la.
Uma vez, jogando em um evento interpretando um personagem ladrão, notei que sempre que eu procurava uma armadilha em alguma porta, o mestre dizia que tinha. Se eu perguntava se havia algum tipo de pino no chão, em frente ao batente, lá estava o pino. Se perguntasse sobre um fio na tampa do baú, lá estava ela. No início me senti um gênio da masmorra, mas logo entendi que não era bem assim.
Muita gente vai dizer "Mas isso é ótimo, é a verdadeira narrativa compartilhada!".
Talvez seja ótimo mesmo, mas em jogos focados em contar história. Segundo Ron Edwards, a agenda narrativista se importa com o impulso narrativo que vem da falha ou do sucesso do personagem. Em jogos de foco em desafio, como os da Oil Fantasy, não é isto que dá signficado ao jogo, mas sim como o desafio será superado e o resultado da aposta do jogador, ao medir risco e recompensa
O Mestre de Oil Fantasy deve ter domínio sobre o problema que imprime, para poder reagir, proporcionalmente e com segurança, às investigações dos jogadores. Se este domínio não existe, não há porque propor desafio agora.
Voltando ao exemplo do jogo no evento, eu testei não procurar mais por armadilhas e elas sumiram da dungeon para sempre. Era uma masmorra improvisada e o mestre não tinha informações suficientes para que eu me informasse sobre o desafio. Como compensação ele me deu a ilusão de um desafio e fingiu que eu estava mandando super bem em achar todas as armadilhas quando, na verdade, minhas decisões não importavam. Poderia ser algo funcional para uma agenda narrativista, mas para Oil Fantasy, focado em desafio, há perda de liberdade: Eu estava fadado a estar certo.
Mas como promover amplitude de soluções, então?
Sempre dá certo, só que não
A postura do mestre de Oil Fantasy é: partir do princípio que a ação do jogador sempre dará certo, mas exercendo uma crítica que pode apontar riscos e impossibilidades na linha de ação tomada pelo jogador.
Se só
é possível fruir de um jogo, em sua plenitude, com o conhecimento de seu
funcionamento, é necessário que o mestre entenda seus próprios critérios para avaliar se uma solução apresentada pelos jogadores resolve ou não problema apresentado, e que eles se tornem ciente desta lógica.
Falso! Se num jogo Oil Fantasy, o mestre desenhou um problema e o jogador declarou uma ação que o soluciona, está tudo resolvido. Não há nada a ser rolado. Deixe o jogador saborear a vitória. Se ficou simples demais, comece a aprontar o próximo obstáculo e dê o seu pior, desde que dentro dos parâmetros do bom desafio.
Sabe o que isso evita?
- Evita rolagens vazias, porque a falha não traria nenhuma consequência significativa, levando a perda de contraste com rolagens realmente carregadas de drama, que colocam em cheque algo importante.
- Evita que uma rolagem ruim, sem consequências significativas, prejudique a execução de uma idéia que não tinha nenhum motivo para não funcionar além de uma eventual lambança forçada ao personagem, em uma cena digna dos Trapalhões. Não é essa textura que buscamos com Oil Fantasy.
- Evita que se afunile todo impasse que acontece no jogo a uma questão de testar os atributos e perícias; a ficção costuma ser bem mais vasta e diversa que isto e podemos aproveitá-la melhor em toda sua pluralidade.
- Evita que atributos e perícias, por conta desse afunilamento, ganhem grande gravidade no jogo, de forma que, ao tentar resolver um problema, os jogadores busquem o acionamento mecânico da rolagem de atributo ou perícia em que é melhor, o tempo todo, em vez de descrever sua intenção e sua interação com a ficção, que é justamente o que vai deixaria claro o que está em jogo caso seja necessário rolar um dado.
- Evita que essa gravidade narrativa em cima dos atributos e perícias seja punitivo caso o jogador não tenha uma boa ficha de personagem, ou que seja quase uma garantia de sucesso em níveis muito altos, cortando pela raiz inflação de poder e corrida por equilíbrio por parte do mestre, ao fazer manutenção do desafio.
Vamos entender os parâmetros pra se decidir o que pode dar errado nas soluções dos jogadores? Veja na parte 2 deste post!
Muito bom, recentemente tive um caso assim na mesa, resumidamente o grupo se infiltrou para resgatar um npc bardo que tinha sido sequestrado por um facção de ladrões, o desfecho provavel era o combate, que seria desfavoravel para o grupo pela quantidade de oponentes. Eles tomaram o caminho de negociar a vida do bardo e propuseram se tornar "agentes" da facção de ladrões, e assim fizeram um "acordo com diabo", conseguiram a vida do bardo de volta e sairam vivos, mas agora precisam fazer algo bem pesado para essa facção para pagarem essa "divida". Eles estão enrolados até o pescoço por essa decisão, mas foi uma solução que eu não tinha previsto e que fez todo o sentido na hora. Ah, e toda essa cena tensa de negociaçao foi resolvida sem nenhuma rolagem
ResponderExcluirQue maneiro, cara! É sempre bom colher esses depoimentos porque significam muito pro estudo do estilo. Valeu! =)
ExcluirMuito bom! Totalmente verdade.
ResponderExcluirValeu Dehumanizer tmj
ExcluirEu não sou contrário ao uso de habilidades (perícias) no jogo. Acho uma bússola interpretativa importante para o infante JIPista, carente de referências da literatura, gibis, filmes e seriados ou, até mesmo, jogatinas. Porém a dosagem do número de lances feitos é imprescindível para uma boa diegese.
ResponderExcluirLegal. Faça um blog e escreva sobre isso, vai ser legal. Ou linka o que tive pra gente ler =)
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