Manifesto Oil Fantasy #08: Promovendo amplitude de soluções pt.03 - Soluções Absurdas

por Vasnetsov Samolet

Já entendemos que, caso não haja um motivo para que as soluções dos jogadores não funcionarem, a idéia deve dar certo e o jogo seguir. Passamos então a entender quais são os parâmetros de quando tais idéias não serão aproveitadas, para que se desenhe uma linha transparente de atuação para o mestre.

Começamos com soluções inadequadas e agora vamos ver soluções absurdas e impossíveis.

Mais um caso onde você não poderá deixar que as idéias dos jogadores funcionem:

Quando os jogadores tentarem algo nitidamente absurdo ou impossível.

Em um jogo de RPG, que mexe com ficção, caô e fantasia, o impossível precisa ser investigado até que fique claro a todos os participantes o quão e impossível ele é, para que seja negado naturalmente na ficção.

Ao invés de negar todo um curso de ação quando o jogador declara algo que pareça inalcançável ou esdrúxulo, vale conversar a respeito para fortalecer as bases do mundo de aventuras que todos estão imaginando e eliminar ruídos e dissonâncias.


O bololô da ficção

Quando fui ver Senhor dos Anéis no cinema, fiquei um pouco chocado de ver aquele mundo que eu tanto visitava retratado de forma diferente. Eu imaginava a Terra Média e seus personagens de uma forma um pouco diferente.

Uma das coisas mais legais do RPG é que possamos participar do mesmo jogo imaginando coisas às vezes tão diferentes e tudo funcionar bem ainda assim. Se o mestre descreve um personagem tendo uma imensa cara de tapado, é possível que um jogador imagine ele a partir de um personagem do cinema e outro jogador a partir de um primo mais novo que é bem estúpido. Um imaginou o cara branco, alto, esguio, de 20 e poucos anos, com um dente quebrado na frente e outro imaginou um sujeito baixo, gordinho, com olheiras e um sorriso tímido.

Se nenhuma das coisas imaginadas de formas diferentes por cada participante entrar em jogo, essas diferenças podem ser mantidas nas imaginações de cada um sem nenhum prejuízo da experiência, sendo o resultado um bololô ficcional que mais parece uma feijoada de imaginação, deliciosa, espontânea e plural.

Porém, a partir do momento em que o jogo se vira para certos elementos, pode ser importante que seus detalhes comecem a aparecer na ficção, porque determinadas lacunas podem gerar ruídos no jogo e um deles é algum participante propondo algum absurdo ou tentando algo que deveria ser nitidamente impossível.


Aparando arestas na ficção

Imagine que um jogador queira utilizar um saco de pano, para nele enfiar a cabeça de um monstro imenso enquanto dorme, mas o saco é pequeno e a cabeça do monstro imensa, de acordo com os parâmetros do livro de regras. Obviamente essa não e uma ação possível, considerando que o jogo não seja baseado em desenho animado. É o momento de informar ao jogador sobre as dimensões da cabeça do bicho e do saco de pano, de acordo com as estatísticas presentes no livro de regras. Isso vai permitir que ele reavalie sua ação.

E se não houver estatísticas? E se realmente os atributos do saco ainda não entraram em jogo, nem há parâmetros no livro de regras para o tamanho da cabeça da monstro?

Isso tudo deverá ser definido na ocasião e, a partir disto, teremos parâmetros. De forma geral, permita que o jogador determine o tamanho do saco de seu personagem e o mestre o tamanho da cabeça da criatura, ou seja, que cada participante decida de acordo com seu papel no jogo.

Outra coisa a ser levada em conta nesse momento é a verossimilhança proposta pelo jogo. No exemplo, se o saco de pano for ordinário, comprado de um vendedor qualquer, não há por que o jogador defender que é um item especial, imenso, que comporte a cabeça de um dragão. O mesmo vale para a cabeça da criatura: a decisão de seu tamanho pode passar pela análise de criaturas semelhantes de tamanho mais familiar, etc. Quando os lados justificam suas decisões, eles estabelecem verdades para o mundo de aventuras de forma transparente.

Parametrizando com mais profundidade

Na Oil Fantasy, pensamos que o sistema nos fornece parâmetros não só para arbitragem, mas também para descrever as coisas com mais profundidade, reforçando a realidade compartilhada do mundo de aventuras.

Por mais que a maioria das coisas possam ser descritas somente com os termos próprios do mundo de aventuras, o sistema pode nos ajudar a aparar as arestas de nossas imaginações e encaixá-las, ajudando na imersão no jogo porque ajuda o jogador a engajar em sua decisão, dando informações mais precisas para que calcule risco e recompensa, coroando sua agência.

Jogador: Eles estão chegando e estão armados, né? Acho que vou pular daqui de cima da torrezinha e sair correndo lá de baixo.
 
Mestre: Daí de cima você calcula que está a uns 10 metros do chão. Vai saltar?

Jogador: Hum, preciso visualizar melhor. Será que consigo pular para o chão de boas?

Mestre: Um pulo daí dá 3d6 de dano, pode dar quase nada, mas pode te matar, dependendo de como você cair, mas uma coisa é certa: ileso você não vai sair.

Jogador: Olhando sua ficha de personagem - hum... eu tenho 7 pontos de vida, acho melhor não arriscar.

Note que em vez do mestre denunciar a ação do jogador como absurda logo de cara, ele avançou o diálogo e deu mais parâmetros para ele decidir. Aí podemos ver que o timing também é importante, ou seja, em que momento a negativa do mestre entra em jogo?

 

Timing para a negativa

O mestre que se apressa em negar a ação do jogador por parecer impossível ou absurda pode abreviar muitas vezes o diálogo e acabar por restringir sua agência. Pode ser que o jogador esteja se utilizando de uma solução absurda ou impossível para surpreender os demais participantes com algo inesperado e uma negativa apressada do mestre pode cortar seu barato.

Mesmo que pareça a absurdo, pergunte ao jogador como ele vai fazer determinada coisa, realize a parametrização de sua ação e só negue pontualmente o que for impossível, e não toda uma linha de ação.

 

Jogador: Então a torre é muito alta? Vou pular e fugir quando chegar no chão.

Mestre: Você está a 30 metros de altura e calcula que uma queda cause bastante dano, não haveria como seu personagem sobreviver. Seriam 10d6 de dano sendo que você tem 5 de vida.

Jogador: Eu tampo meu nariz como se fosse mergulhar e pulo.

Mestre: Ok, você sente a queda e o chão se aproximando com tremenda rapidez - pegando os dados de dano para jogar.

Jogador: Calma, não role ainda o dano da queda. Eu vou passar o dedo polegar pelo anel mágico que está no meu dedo anelar e fazer um desejo: quero levitar até o chão para pousar em segurança.

Mestre: Hum, safadinho! Me pegou de surpresa, muito sagaz, mas... você sabe quantas cargas esse anel tem? Tem alguma sobrando?

Jogador: Errr... verdade, eu não sei. Assumi que ainda tinha desejos a fazer.

Mestre: É um bom momento para descobrirmos, não é mesmo? Segundo o livro de regras, esse anel tem no máximo 4 cargas, mas é impossível para seu personagem saber quantas restam até que acabem. Você já tinha gasto 1 desejo anteriormente, então vamos jogar 1d4 e se sair 1, está sem carga, ok? Se saírem os resultados 2, 3 ou 4 ainda há cargas e você gastará a 2a, precisando tirar mais que 2 da proxima vez para que ainda haja carga. Faz sentido pra você? Então rola aí!

Jogador: Rolando o dado - Ah não! Deu 1!

Mestre: Mais algum truque na manga? Não? Ok, você morreu.

Há casos, porém, em que negar uma solução se torna algo extremamente doloroso: quando há um desacordo sobre a verossimilhança e aparar arestas não parece ser possível. Usar os parâmetros do mundo de aventuras costuma resolver a maioria dos impasses - um sabre de luz rebate um tiro de pistola laser, sabemos - mas nem sempre isso é suficiente. Qual nerd nunca brigou a respeito do herói  mais forte ou mais ágil?

 

Critério da Verossimilhança  

Quando o grupo chegar a um impasse a respeito da verossimilhança do mundo de aventuras e o manual de jogo não ajudar a resolê-lo, e ninguém arreda pé de sua posição, é importante que o mestre tenha a palavra final sobre o assunto. Esse tipo de questão normalmente aparecerá no contexto dos desafios e sua superação. A arbitragem, como vimos, é uma forma de traduzir de forma objetiva alguns parêmetros dos obstáculos e problemas, portanto é um instrumento importante para ele, então que ele arbitre depois de ouvir os lados da discussão.

Posteriormente, finda a sessão, o grupo pode até rediscutir com mais calma, mas o mais importante é que a decisão de como se resolveu o impasse vire parâmetro para as próximas decisões e que ela ajuste o mundo de aventuras à decisão final do grupo.

Se o grupo decidiu que um tapete voador funciona obedecendo comandos mentais de seu dono, em vez de ter autonomia para fazer o caminho que desejar até o destino desejado, isso passa a ser uma verdade para o mundo. Se for possível deixar o personagem dormindo no tapete, curtindo a brisa enquanto ele voa sozinho, então é assim que as coisas funcionam nessa realidade e isso vai dar parâmetros para outros tapetes mágicos semelhantes. Que deste momento em diante, passe a ser nítido se tal coisa é absurda ou não, no mundo de aventuras.

No próximo post, vamos continuar com a parte 4 do ponto 9 do Manifesto Oil Fantasy: Promovendo amplitude de soluções.





Comentários

  1. Ótimo texto, Balbi

    Os posts têm me ajudado bastante no meu desenvolver como mestre. A cada parágrafo, eu lembro de uma situação de jogo que poderia ter sido melhor. Mas cheguei a conclusão que devo jogar pra mais pra aprender a lidar com as situações.

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