Manifesto Oil Fantasy #08: Promovendo amplitude de soluções pt.05 - Risco



Há soluções que só funcionam mediante gasto de recurso ou uso de item, como vimos, mas é possível que outras condições sejam necessárias para que uma ação dê certo.

O risco exerce um papel bastante central no estilo Oil Fantasy e será abordado em diversas partes do manifesto, e sua gestão é parte essencial do jogo aqui proposto, principalmente na hora de resolver os problemas lançados pelo mestre.

Existem casos em que o jogador declara uma ação que não pode ser executada sem que se assuma um risco. Não estamos falando aqui de riscos amplos e genéricos, como se meter em uma masmorra ou se embrenhar em ermos desconhecidos, mas sim de situações onde o risco é claro, pode ser percebido em espécie e de preferência traduzido para as regras do jogo.

Papel do Risco

Em jogos Oil Fantasy, o principal fator que aciona rolagens de dados é o risco. Sempre que os personagens se expõem a riscos, a partir das decisões dos jogadores, o mestre é chamado a arbitrar a chance de dar merda e seus efeitos palpáveis. 

Podemos dizer que, de forma geral, quando corre tudo bem para os jogadores, eles ficaram nas rédeas do jogo e não houve muitas rolagens na sessão. 

Longe do fetiche mecânico muito em voga nos dias de hoje, que enxerga que só há jogo quando as mecânicas são diretamente acionadas, entendemos que há todo um espaço dinâmico, que é influenciado por mecânicas - ativadas ou desativadas - e de muitas outras normas difusas, típicas de um jogo narrativo, que constrói uma relação lúdica cheia de significado e agência para os jogadores.

Quando as mecânicas são acionadas, normalmente são reflexo de momentos em que os jogadores resolveram assumir determinados riscos por almejarem algo especial, colocando algo significativo em jogo, de forma que o resultado impactará de forma contundente o mundo de aventuras.

Jogadores e mestre trocam idéia em uma conversa voltada a deixar claro a todos a situação em que os personagens estão dentro do mundo de aventuras. Esse viés da conversa é conhecido como posicionamento ficcional.

Posicionamento ficcional frente o risco

De forma geral, posicionamento ficcional pode ser qualquer lente que se use para entender a situação de um personagem na ficção. Se você fala que seu personagem está em uma luta constante contra o vício em entorpecentes, mas precisa se meter num show muito underground, cheia de oferta de drogas e gente sob efeito, você está usando uma lente para entender como ele se situa neste momento do jogo e perceber seus conflitos em um determinado momento. Esse tipo de lente é muito comum em jogos com foco em desenvolvimento de personagens, de agenda narrativista.

No caso em específico de Oil Fantasy, um estilo focado em desafio, vamos utilizar bastante um foco específico do posicionamento ficcional, voltado à compreensão do risco, do que está em jogo naquele momento e de como isso tudo deve ser tratado na arbitragem, para que se possa resolver o impasse.

Somente ao realizar a arbitragem o mestre entenderá as ferramentas e parâmetros a serem utilizados para resolver o impasse, de acordo com o mais adequado para cada situação específica que a ficção traz.

Mestre: Você não consegue abrir a porta, ela não se move nem um pouco.

Jogador 1: Ela está emperrada ou trancada?

Mestre: Não está claro, você vai investigar? Como?

Jogador 1: Vou passar minha adaga pela fresta e ver se está muito justo o espaço entre a porta e o umbral, ou se a porta está inchada de umidade e travou ali.

Mestre: É, a madeira está esverdeada e úmida, dado o ambiente bem infiltrado de água.

Jogador 1: Vou forçar com o ombro pra ver como ela reage.

Mestre: Você pressiona seu corpo contra a madeira e ouve um ranger da madeira, cedendo de leve. Na força bruta vai, mas é claro que vai fazer um barulhão.

Jogador 1: E se for devagarinho, com um pé de cabra de repente?

Mestre: Você vai testar? 

Jogador 1: Pootz acho que não dá tempo. Eu vejo os esqueletos vindo pelo corredor? E olhando para o outro lado, vejo alguma outra ameaça?

Mestre: Ainda não vê os esqueletos, mas ouve o estalar dos ossos animados dos mortos vivos vindo da escuridão. Não estão tão longe. Da outra ponta do corredor, só barulho de água escorrendo pelas paredes.

Jogador 1: Então vou arrombar a porta, vai na força bruta. Não há tempo.

Mestre: Ok, vamos fazer assim: a porta não está tão travada, como você pode sentir. Sua chance de abrir caminho à força vai ser de 2:6, aumentando em 1 a cada turno, sendo que cada investida vai fazer esporro na dungeon, seja pelo encontrão, seja pela porta gemendo, por isso vou rolar uma chance de encontro aleatório a cada vez que você tentar arrombar, ok?

Jogador 1: E as caveiras chegam em quanto tempo?

Mestre: Aparentemente em 5 turnos

Jogador 1: Ok, parece justo. Ah, eu tenho bônus e força, isso conta?

Jogador 2: E eu consigo ajudar, dando uma ombrada ao mesmo tempo que ele?

Mestre: Ok, se vocês dois forçarem ao mesmo tempo, ainda mais com o bônus de força, vocês conseguem arrombar logo agora, mas a chance de encontro aleatório de 1:6 vai pra 2:6, pelo barulho extra, pode ser?

Jogadores: Faça seu pior, seu mestre matreiro!

Note que, no exemplo, caso não houvesse um risco de encontros aleatórios nem mortos-vivos se aproximando, não haveria qualquer risco envolvido e os jogadores abririam a porta à força normalmente, mas o fato de ter riscos em torno da ação fez com que o mestre investigasse na ficção como seria feita a abertura dessa passagem para poder arbitrar os riscos.

De repente, se um dos jogadores tivesse colocado usado uns 3 grampos de madeira com martelo na fresta da porta, como calço e alavanca, poderia abrir a porta sem barulho, gastando 3 turnos para tal. 

O que importa é que a ficção seja investigada tanto pelo mestre quanto pelos jogadores para que eventuais riscos possam se desenhar, de forma a serem tratados de forma adequada na arbitragem, bem negociados e sirvam de parâmetros objtivos para os jogadores tomarem suas decisões, sabendo o que têm a perder e o que têm a ganhar.

Resumo dos casos de negativa na ação do jogador

Resumindo os casos em que o mestre deve negar, inicialmente, que as ações dos jogadores dêem certo, temos:
  • Quando as soluções não são apropriadas ao contexto do desafio

  • Quando as soluções são impossíveis ou absurdas

  • Quando as soluções são executáveis somente uso de itens ou recursos

  • Quando as soluções dependem de que os jogadores assumam riscos

Vejam que, como descritos, esses casos não são definitivos nem ocorrem de forma destacada. Acontecem de forma orgânica e misturada, no diálogo entre os participantes. 
 
Nosso objetivo aqui é firmar que a postura do mestre deve ser de aceitar, a princípio, as soluções dos jogadores, salvo haja um motivo claro para a negativa, e que a partir disto deve haver um aprofundamento do diálogo criativo com os jogadores para entender como a situação será contornada, como tentarão outras abordagens ou que se conheça a consequência de suas decisões.

O importante é que os motivos das soluções eventualmente não serem aceitas fiquem claros para todos, de forma a estimular a criatividade, trabalhar melhor o risco ou dar ensejo a novas abordagens, mantendo principalmente suas decisões significativas para o jogo, preservando a agência dos jogadores, que será o tema do próximo post.
 
 
 

 

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