Oil Fantasy Reflexões #03 - Agência. Você está realmente jogando?

Um velho debate que sempre esteve zunindo a cena do RPG é sobre o poder exagerado do DM. Entender o conceito de agência pode suavizar esse problema.


Pelo dicionário: capacidade de agir ou intervir produzindo determinado efeito. Do ponto de vista de game design: capacidade de impactar o jogo por meio de ações e ou escolhas.

Ao atingir uma bifurcação na estrada os jogadores são livres para escolher entre ambos os caminhos (direita ou esquerda) e mesmo assim podem ter sua agência limitada caso ambos os caminhos levem ao mesmo destino (problema conhecido como "Ogro Quântico"), esse processo faz com que as decisões dos jogadores sejam vazias, inócuas uma vez que o DM já pré determinou sobre os acontecimentos vindouros.

Sei que muitos de nós já resolveram esse problema de uma maneira muito rápida e simples: o caminho da direita vai para “X” e o da esquerda vai para “Y”. Mas novamente se os jogadores não têm nenhuma informação ou parâmetros para nutrir suas decisões estão eles escolhendo?

Antecipar, telegrafar ou como você queira chamar, é vital para o processo de tomada de decisão por parte dos jogadores. Essas informações não devem ser dadas, elas devem ser conquistadas. Uma postura ativa dos jogadores é esperada, com eles focados na ficção, sentindo, respirando cada detalha para chafurdar do mundo ficcional alguma informação que permita tomar uma decisão examinada.

Seja generoso com suas descrições, mas apenas de detalhes para aquilo que conquistou a atenção dos jogadores. Use camadas narrativas  e condicione informações mais secretas ao gasto de tempo, ações, recursos em última análise.

    Liberdade, Impacto e Decisões examinadas. A agência é quebrada quando qualquer um desses é ignorado.

Exemplos:

- Um grupo de bandidos assassinos se rende aos jogadores. Eles decidem matá-los. O DM fala aos jogadores que essa não é a maneira como o grupo deles se comporta e decide proibir essa ação.

* agência é quebrada pela falta de liberdade.


- Os jogadores estão escoltando um famoso mercador recheado de bens rumo a uma grande cidade. O DM planejou um ótimo encontro para os jogadores nesse trajeto, um Ogro. Depois do último TPK os jogadores ficaram mais atentos e cautelosos. 

Eles conversam com as pessoas, entram em tavernas, ouvem rumores e pegam cada informação sobre os perigos que assolam a região. Lá embaixo perto do rio eles ouvem sobre um poderoso Ogro que ataca viajantes pela estrada. 

Decidem então seguir por outra estrada, bem mais longa, mas pelo menos eles conseguiriam evitar essa ameaça. Porém o mestre decide mover o Ogro: “ele estava apenas passeando”, dessa forma os jogadores ainda terão que encara-lo. O DM fez isso pela “diversão”, afinal ele preparou um “ótimo” encontro.

* nesse exemplo os jogadores foram livres para agir, pegaram informações, mas as suas escolhas foram esvaziadas de consequências e não impactaram o jogo. Sem consequências não há agência.

 

- Os jogadores têm ouro e glória! Sua influência na cidade incomoda alguns figurões.

O chefe da guilda dos mercantes vem tramando algo contra eles. Alguns lacaios espionam os jogadores esperando pelo melhor momento de agir. A menos que exista uma forma dos jogadores perceberem essa movimentação contra eles a agência é quebrada por falta de informação.

Assim como uma armadilha mortal, colocada numa masmorra, sem nenhuma antecipação.

*falta de decisão examinada

 

- Os jogadores chegam a uma bifurcação ao finando corredor a masmorra. Dois caminhos descendem por corredores escuros aonde a passagem da direita leva ao tesouro perdido do famoso “Ogro quântico” e a da esquerda leva a uma armadilha de fosso mortal.

Sem antecipação os jogadores não estão tomando decisões examinadas, uma vez que não possuem informações para pautar sua decisão.

*falta de decisão examinada

 

- Os jogadores localizaram o lar do grande Conde vampiro. Porém antes de confrontá-lo eles decidem procurar uma estaca de madeira, afinal de contas quem não lembra que vampiros são mortos assim? O DM proíbe essa ação uma vez que os personagens não detinham esse conhecimento. 

A agência é violada pela falta de liberdade. Depois de algum bate-boca o DM deixa os jogadores procurarem por uma estaca no mercado da cidade, mas não obtiveram sucesso em achar uma estaca no mercado. Novamente os jogadores argumentam que é um item simples de ser feito e eles mesmos fazem uma estaca. Ao enfrentar os jogadores com a estaca o DM decide fazer uma “regra da casa” e muda o vampiro para um “coelhopiro” que é imune a estacas, ele morre apenas com cenouras encravadas no coração. Os jogadores não tinham essa informação e nem tiveram a chance de obtê-la.

*Agência é quebrada pela impossibilidade de tomar uma decisão e pela decisão ter sido esvaziada pela regra da casa, além de antes da argumentação os jogadores quase tiveram sua liberdade quebrada.



Aqui eu levanto um questionamento: se não existe agência e os jogadores não interferem de fato no mundo ficcional, ele apenas é uma parte do grande plano arquitetado pelo DM, ou seja, suas ações não têm consequências. Eles estão jogando de verdade?

 

 


Comentários

  1. Excelente texto e excelentes exemplos. Ajudam muito o mestre e os jogadores e imergir mais na narrativa.

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