Aquarela #02: O paradigma do “Era uma vez…”

Arte por Atila J. Reis

Vamos voltar no tempo até março de 2019. A primeira temporada do D&D Moleque (onde nasceu o nome desse manifesto) só seria publicada em Setembro de 2019, ou seja, cerca de seis meses depois.

Nessa época, o termo “Oil Fantasy” nem existia ainda. Contudo, não tenho a menor dúvida que os conceitos de Oil Fantasy já estavam se manifestando naquela época. Tudo muito estimulado pelo trabalho quase monástico do Balbi com o Regra da Casa e o Café com Dungeon, diariamente entregando reflexões sobre nosso passatempo favorito tão encorpadas quanto uma boa xícara de café Ovelha Negra.

Essa, aliás, é uma história exatamente sobre como Oil Fantasy já estava e entre nós desde aquela época.

Essa é a história de como o Oil Fantasy entrou na minha vida.

Era uma vez, no Twitter…

Numa terça-feira como muitas outras, a Nanny do Casa Velha puxou um papo interessante pelo Twitter sobre mestrar adulterando rolagens em segredo.

A conversa foi longa e intensa. Já vinha impulsionada por debates anteriores, bem fragmentados e a acalorados como só a comunidade de RPG brasileira é capaz de ser, discutindo um joguinho com a mesma seriedade e fervor que especialistas sócio-econômicos debatem o panorama da macro política global.

Muitas pessoas ativas no Twitter se juntaram ao papo. Entre elas, o Xezz do Tear dos Mundos, que entrou na conversa advogando contra as adulterações de rolagens.

Na época, eu não via um problema tão grande em adulterar minhas próprias rolagens atrás do escudo. Não era algo que eu fazia com frequência, mas que não era tão crítico na minha visão de jogo.

Por fim, o Balbi nos convidou a levar o debate para um episódio do Café com Dungeon.


Quando o ônibus espacial desaparece de verdade

Tomei a liberdade de transcrever um trecho específico do debate que está lá no episódio.

Se quiser acompanhar, basta ouvir a partir dos 24 minutos de conversa: 


Balbi: …então a minha opinião a respeito disso tudo, de forma geral, é que não é prerrogativa do mestre alterar o resultado do dado. Na minha opinião… Por quê? Porque o D&D em primeiro lugar, ele já estipula que você, como mestre, rola aberto quase tudo, exceto algumas situações que precisam de sigilo. 

Então quer dizer que, quando ele rola aberto, ele já não tá alterando o resultado do dado ali. O que resta é se eu alteraria os resultados escondidos. Aí tem essa lacuna, e eu prefiro acreditar que ele não vai mudar isso. Porque o mestre já tem na sua mão uma quantidade imensa de ferramentas pra construir o drama, né? 

Ele já pode botar um milhão de monstros, ele já pode botar mil armadilhas, ele pode fazer chover pregos! Ele pode fazer um monte de coisas. Ele pode criar uma cachoeira do nada, entendeu? Isso é a prerrogativa subjetiva do mestre, porém quando ele altera o resultado, ele está lidando com uma interface objetiva que, quando ele muda, quando ele traz o aspecto subjetivo sobre essa realidade objetiva, esse chão comum entre todas as vontades criativas, ele tá transformando o jogo numa coisa que tem mais vontade dele do que vontade criativa dos outros. 

Pode ser que você frustre um jogador de um jeito pesado caso você esconda a rolagem dele e, às vezes, não permita ao personagem dele morrer apesar dele ter assumido aquele risco. Aí eu acho que ele quebra, ele gera uma fragilidade narrativa e prejudica uma coisa que é essencial ao RPG que é a narrativa compartilhada.  

(…) 

Cobbi: A parte mais importante disso tudo é que tem um argumento seu com o qual eu não consigo deixar de crescer que é esse de: ‘beleza, partimos do pressuposto que a diversão é óbvia pra todo mundo.’ Cara, eu queria muito viver num mundo onde todas as pessoas jogassem RPG com isso em mente.

Nanny: Ué, cabe à gente difundir esse lema…

Xezz: …influencers do RPG…

Nanny: …bora fazer uma camisa pra usar em eventos? ‘RPG começa com diversão.’

Cobbi: Perfeito, partindo desse pressuposto, pra que a coisa possa evoluir, ou seja, pra que as pessoas possam começar, para que o D&D mesmo possa evoluir, para que outros sistemas possam nascer, para que o jogo possa crescer como linguagem como você falou, a gente tem que ter discussões desse tipo. Então tem coisas que eu achei muito bacana e que acho legal trazer aqui, pra deixar registrado pra quem for escutar. 

A Camila Gamino trouxe um exemplo que ela usou com as crianças, muito parecido com esse que a Nanny falou que quer usar e tal.. Ela narra muito pra crianças, é praticamente uma especialista nisso, deu uma oficina pra gente lá em Curitiba nisso.

(…) 

Balbi: Ela gravou um Café com Dungeon sobre isso.

Cobbi: Gravou um Café com Dungeon sobre isso, que eu já ouvi também, e é muito bacana. Ela trouxe um exemplo que me fez enxergar um treco que eu batizei de ‘efeito Copperfield’, do David Copperfield, quem for mais velho vai lembrar dele, que era um ilusionista, né? O Houdini da minha época. 

Eu ganhei consciência que o narrador também tem um pouco desse papel de ilusionista. 

É como vocês falaram: pra usar esse recurso de mudar rolagem, primeiro, ninguém pode te pegar. Tem que fazer de um jeito que a plateia não perceba senão você derruba o espetáculo. É a mesma coisa que o Copperfield, de repente, cortar alguma coisa errado lá, um fio errado, e a cortina desaba, o número fica todo exposto… Não, né? 

Você tem que fazer o número como se você tivesse fazendo aquela magia de verdade. Quando você for usar esse recurso, ele tem que ser muito bem usado. Você tem que ter muita consciência de quem são os seus jogadores, de com quem você tá jogando, de se aquilo ali não vai desequilibrar. Isso que o Balbi trouxe, dos tipos de narrativas, né? Ele colocou até um gráfico no Twitter lá, que eu achei muito legal, um gráfico centralizado, descentralizado, distribuído… 


 


 

Cobbi: Eu tinha visto aquilo já, dentro do storytelling. Trazendo isso pra narrativa, faz todo sentido quando você aplica pro D&D isso que você falou, do narrador começar a centralizar demais o jogo e, talvez, isso pesar na mão dele… Mas no fundo, eu acho que essa coisa do efeito Copperfield, se o cara tiver ela em mente né, quando o narrador tem a presença de fazer o truque sem ninguém perceber que aquilo tá rolando, cara, parece muita mágica! Tipo, a galera 'ah meu deus, a mulher tá flutuando, caraca!’ 

É o mesmo efeito que acontece quando a gente vê um número do Copperfield que ele fez desaparecer um ônibus espacial da NASA, né? 'Meu deus o cara fez desaparecer um ônibus espacial…’ É lógico que ele num fez um ônibus espacial desaparecer. Aquilo é um truque! Ninguém sabe como o truque foi feito. Quando você atinge esse nível de experiência, e aqui eu tô falando com gente que sabe chegar nesse grau, são narradores experientes, é gente que tem consciência do grupo com quem tá jogando… É muito bacana.

 


 

Xezz: Se é função de todos construir a narrativa, se o jogo é de todo mundo, essa função não deveria ser… Ou ela é de todo mundo, ou ela não é de ninguém. Nesse aspecto, só pra me valer da metáfora do Cobbi: o David Copperfield faz a ilusão, faz parecer que o ônibus da NASA desapareceu. Agora na minha vivência, na minha opinião, se todo mundo se atêm às suas funções, usa das suas prerrogativas e não viola essa confiança, não viola o sistema, o ônibus desaparece de verdade. Porque quando acontece, quando o ônibus espacial desaparece, ninguém fez acontecer, não tem ilusão nenhuma. 

É pura magia, e esse é um dos melhores momentos do RPG na minha opinião.”

 

Esse trecho específico desse debate dentro do Café com Dungeon é simbólico demais na minha trajetória como rpgista.

Foi aí nesse contexto que tive um primeiro contato com o meu próprio ilusionismo enquanto mestre de RPG. 

Chamamos de ilusão porque as pessoas que estão jogando têm a impressão que estão superando um desafio ou influenciando diretamente a ficção, quando na verdade quem está mestrando é que está conduzindo absolutamente tudo sem que ninguém mais perceba.

Foi como se eu estivesse enxergando pela primeira vez um dos planetas mais importantes da minha galáxia através do telescópio de colegas melhor esclarecidos. Hoje em dia, já me considero um astronauta que pousou nesse planeta e vem explorando, descobrindo que ele pode me levar a horizontes completamente novos.


Quem era eu na fila do pão, do café e da dungeon?

Eu liderava uma equipe de mestres de RPG profissionais, a Roleplayers. Já tinha prática muito intensa de RPG em eventos e treinava pessoas para mestrar jogos como promotores remunerados em feiras, convenções e polos de jogo organizado.

Meu estilo de jogar e mestrar jogos de RPG sempre foi bem diegético e narrativo.

Falaremos mais desses palavrões por aqui. Por hora, basta saber que eu me importava bem mais com as narrativas sobre o cenário e as personagens, do que com os desafios do jogo em si.

Talvez esse seja o seu estilo também — e não há absolutamente nada de errado com ele. Entretanto venho percebendo que sofisticar e complementar a nossa visão de jogo sobre o RPG pode torná-lo ainda mais divertido.

Mestres como o Balbi, Carlinhos Malvadeza, Rafael Massuia e João Burlamaqui mestram a partir de visões bem diferentes daquela à qual eu havia me acostumado. O foco deles é no desafio e na mimética. Também falaremos mais sobre isso, mas o resumo da ópera é que, diferente de mim, eles colocam a ficção antes da narrativa.

🔥 E aqui vale uma diferenciação que entre narrativa e ficção. 🔥

Quando me refiro à narrativa, trago comigo uma estrutura de storytelling que implica atos, narrador, protagonistas, coadjuvantes e assim por diante. A narrativa é o domínio do “era uma vez”.

Já quando me dirijo à ficção, me atenho àquilo que acontece fora do campo concreto da realidade, lá na nossa imaginação. Na ficção é onde moram os domínios do “faz de conta”.

Quando me permiti jogar a partir de outros estilos de RPG tão diferentes do meu, percebi que, mesmo depois de trinta anos de prática intensa, ainda há muita novidade pra mim dentro do meu passatempo favorito.


Era justamente por me considerar um mestre experiente que eu não via problemas em interferir no resultado das rolagens que eu fazia em segredo.

Hoje em dia eu vejo que isso não só é abrir mão de uma parte enorme do RPG — parte essa que se relaciona com as raízes desse jogo — como também pode sonegar a quem está jogando a oportunidade de ser verdadeiramente desafiado, trabalhar em equipe e superar obstáculos de forma genuína.

Infelizmente, essa forma manipuladora de mestrar jogos de RPG é muito comum. Isso se deve a uma série de fatores: desde a forma como o game design do nicho se desenvolveu até uma falsa premissa de que o papel de quem mestra carrega uma responsabilidade maior pela diversão das demais pessoas que estão jogando, mas isso é papo pra outro post.


Quando a narrativa é negligente e pauta um desafio fluído, ela tende à ilusão…

Como meu foco quando mestrava era a narrativa, eu colocava em segundo plano o desafio envolvido nas minhas rolagens atrás do escudo. De forma quase inconsciente, eu considerava que as rolagens ocultas estavam num degrau menos importante do que uma possível oportunidade de tornar a história que estávamos contando mais interessante ou envolvente para as pessoas que estavam jogando.

Por conta disso, eu acreditava que o papel de mestre incluía julgar quando uma das suas rolagens poderia ser alterada depois de realizada, desde que os jogadores ainda não soubessem o seu resultado.

Mais do que isso, eu não via problemas em interferir em qualquer elemento do desafio que as pessoas que estavam jogando ainda não conheciam.

Aqui acho que cabe dizer que sempre tentei cuidar muito bem das vontades narrativas das outras pessoas que estão jogando enquanto eu mestro. Se você me acompanha no mundo do RPG, já deve ter me ouvido defender a importância do altruísmo para quem mestra. Esse meu grifo constante em olhar para as pessoas que estão jogando vem justamente da preocupação em compor uma história junto com todas as outras pessoas.

Arte por Sandy Gordon


Mas será que a narrativa é responsabilidade só de quem está mestrando?

Hoje eu vejo que respeitar o desafio no RPG ajuda a distribuir melhor a autoria entre todas as pessoas que estão jogando, sem deixar o enredo demasiadamente concentrado em quem está mestrando e permitindo que as pessoas que estão jogando arquem com as escolhas que fazem com suas personagens.

Colocar o desafio e a ficção no mesmo patamar de importância garante jogos de RPG mais ligados a um dos seus aspecto mais essenciais e diferenciais: a ficção coletiva.


É justo que comece assim a minha participação nesse manifesto

Esse debate mudou pra sempre a minha visão sobre RPG. Como mestre ilusionista de carteirinha, fui angariando uma competência razoável em fazer com que as pessoas gostassem bastante das histórias que estavam jogando comigo.

Contudo, isso dependia muito — senão totalmente — das minhas habilidades de improviso e empatia. Fazendo assim, eu colocava sob as minhas costas uma responsabilidade muito grande pela diversão das outras pessoas, quase a ponto de ter que deixar a minha própria diversão em segundo plano. Isso foi se tornando insuportável a ponto de me tirar a vontade de mestrar.

Celebrando meus trinta anos de RPG, posso dizer que descobri uma nova uma forma de aproveitar o jogo e me re-apaixonei por ele. Participei bastante das reflexões do Balbi, tive a honra de compor com ele em diversos episódios do Café e estou jogando e mestrando num dos melhores experimentos de jogo organizado que já vivi dentro do RPG brasileiro e mundial: a campanha de Biergotten.


Se você discordou de quase tudo, pode ser um ótimo sinal.

Ás vezes, uma das melhores coisas que pode acontecer nas nossas vidas é surgir alguém que discorda diametralmente de nós e esteja disposto a um debate saudável.

Um blog é um convite para reflexões. Comentários são uma oportunidade de discussão. Experimente com o coração aberto, conte sua experiência e dê sua opinião.

Se estiver com disposição autêntica para experimentar, vai ser bem legal jogarmos juntos.

Até a próxima!





Comentários

  1. Eu ainda não tive o tempo q eu gostaria de pegar os posts do manifesto para ler, e ainda não sei se entendi direito o que é o Oil Fantasy, mas posso afirmar q ouvindo e acompanhando o café com Dungeon, meu contato e ótica sobre o RPG foi mudando muito com o tempo.

    Me enxergo muito na forma que vc descreveu do mestre ilusionista. Fui introduzido no RPG dessa forma, com o mestre q narra atrás do escudo, rola escondido e q pode manipular os resultados em prol de fluidez para a aventura.

    Comecei com D&D 3.5 e durante muito tempo minha visão de RPG foi muito limitada, mecanizada de certa forma. Quando conheci a Roleplayer e vi o que vcs faziam narrativamente ou até descontruindo um conjunto de regras e criando algo único como experiência para um evento, aquilo foi mágico pra mim.

    A partir daí e do contato q tive com jogo mais narrativos, com jogo com o estilo old School de se jogar, com jogos q trazem formas diferentes de se trabalhar a mecânica, jogos como linguagem, e jogo como arte, eu entendi o quão limitado eu era antes e aquilo desestabilizou pra mim esse modo antigo de jogar q hj eu nem consigo me divertir mais com aquilo.

    Um exemplo foi quando joguei Dungeon World e eu percebi q a mecânica nele foi pensada pra alavancar a narrativa e não ao contrário. Aquilo bugou a minha cabeça, demorei muito pra entender esse conceito q ia contra aquilo q eu tinha aprendido. Quando eu de fato descobri q o RPG não precisava ser engessado como eu tinha conhecido antes, virou uma chavinha na minha cabeça e desde então venho tentando aprender e aprimorar cada vez mais isso.

    Hj acho q sigo mais o estilo q caminha entre o meio termo da narrativa com o desafio. Uma coisa q amo nos boardgames é o desafio q ele me propõe, e é estranho como eu não percebia q sendo um mestre ilusionista eu estava tirando isso, a chance do desafio criar algo novo para além daquilo q eu esperava, da emergência poder fluir daquela cena, situação, e com isso o mestre tbm poder colher a sua parte da diversão do jogo q é quando vc tbm descobre algo junto com os jogadores.

    Gostaria de dar dois exemplos q foram modificadores pra mim como alguém q ama jogos e RPG, um deles foi quando explorando o mundo de The Witcher 3, me vi em uma área em q tinha uma criatura q estava muito acima do meu nível naquele momento. Ele possuía uma caveira vermelha em cima da sua barra de vida. Eu não sabia q aquilo é o indicativo q ele era um desafio muito alto pra mim, e fui até ele com a inocência do aventureiro, quando tomei um rélo dele e só não morri pq estava com o selo Queen ativado, fuji desesperadamente e ele começou a me caçar. Um caçador de monstros sendo caçado por um monstro, isso abriu demais minha percepção q pro RPG nem sempre os desafios precisam ser equilibrados. A adrenalina q eu senti pra conseguir escapar dele foi tão incrível q eu acabei voltando lá mais tarde. O outro exemplo foi quando jogando Dungeon World o mestre virou pra mim e me passou a narrativa, para q eu descrevesse algo q eu sabia q se tornaria verdade ali, algo q eu esperava vir pronto dele, mas ele me deu total liberdade para decidir algo q se tornaria canônico no jogo, tbm buguei na hora.

    Enfim, hj sinto verdadeiramente q praticar o ilusionismo e manipulação de qualquer forma em um jogo criativo/narrativo coletivo é uma das maneiras de tirar o brilho do desafio, da emergência narrativa, e de todo um universo que pode surgir de algo q vc não espera, q pode se surpreender, e q se não jogamos jogamos jogos de fantasia para ter isso, seria melhor estar escrevendo um livro.

    Como mestre ilusionista q fui e q ainda tenho muitos resquícios q luto para perder, aprendi q a criatividade precisa muita da liberdade para poder nascer, mas se nessa equação tiver controle, essa liberdade é falsa, consequentemente a criatividade q nasce disso é podada e talvez ela não traga nada de novo.

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    1. Fala Wesley! Valeu o comentário =)
      Convidadíssimo a ler o Manifesto. Acho que muitas coisas podem "encaixar" na tua leitura e espero que te ajude na tua trajetória. Abraço!

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  2. Eu não li o manifesto também ainda e vou dizer, aqui entre a gente, o que desde o começo me afasta das propostas que vão na linha da OSR: praticamente tudo que eu vejo me soa perfeito quanto a diegetica e quanto a agência dos jogadores, demostração dos riscos (forshadowing) e sobre as consequências sobre os riscos assumidos e todo esse pacote, em quase tudo que eu vi, vem com propostas que querem ser tão verossimeis com relação aos perigos e consequências que me levam pra minha primeira aventura de RPG da vida onde eu meu mago de 4 PVs morreu na primeira sala da tumba de Demara eu apenas assisti o resto da aventura.
    É algo muito pessoal meu, mas eu não gosto de jogos onde quase qualquer coisa pode me matar, eu sei que a vida seria assim, mas não.
    A espectativa que o AD&D dava de você se tornar hyper poderoso SE sobrevivesse era uma meritocracia desejável ao nerd que habita em mim, pois isso demonstrava inteligencia(?), Sabedoria(?), Estratégia (?) Ou apenas muita sorte(!).
    Eu gosto de histórias longas, heróicas onde os personagens vivem o bastante pra contar suas histórias ao redor da fogueira e normalmente esse pacote todo não me entrega isso.

    Dito o porque eu me sinto atraído sempre por essa discussão e ao mesmo tempo afastado das discussões, eu comecei a rolar os dados abertamente só no D&D5e, mas antes dessas discussões na internet, porque já não queria as rédeas da aventura nas minhas mãos. D&D5e já trazia uma dificuldade dos personagens morrerem em combate e parti pra rolagem aberta pensando em tirar da minha mão a responsabilidade de matar ou não um char por ter escondido um dado.
    Com o tempo e conhecendo o DW tbm, isso se alastrou para as outras camadas onde eu já não queria mais todo o peso de criar ali na hora tudo sobre o mundo todo.
    Também me maravilhei com the witcher quando ele trouxe um pouco disso em seu universo de "o mundo não se adaptar a mim" e eu ter que fazer minhas escolhas baseadas no q estou vendo, ouvindo, lendo e sentindo.
    Em tempos de ChatGPT, onde (o chat pode) posso preparar toda a campanha ou a sessão em segundos e a maior vivência que eu tenho é de D&D onde tudo estava nos meus ombros e na minha responsabilidade de fazer uma história foda, é muito difícil ir pro lado contrário.
    No DOFF eu falei sobre isso com o Julio Matos e em 10 min de papo tive umas duas epifanias sobre Dungeon World e mestragem no geral, ficou claro o quanto está gravado na minha cabeça o formato de narrar por cenas, como quando no final fantasy vc entra no combate e o mundo para pro combate acontecer.
    Estou mastigando isso desde então pensando em como o mundo continua vivo, o quanto o combate não é uma instância do jogo e o objetivo dos personagens normalmente está em algo pra além do que está acontecendo na "cena" (agora ente aspas).
    Ta falando com um vendedor - o objetivo talvez seja comprar algo importante ou mais barato
    Combatendo goblins - pra chegar onde? Adquirir o que? Por que ou quem os goblins estão se arriscando no final das contas?
    Explorando uma região - pra achar o quê? Quem? Pra chegar onde?

    Talvez eu já esteja divagando aqui e falando de diversas coisas no mesmo texto, mas acho que elas estão interligadas de alguma forma.
    A rolagem escondida tras junto com ela várias camadas de controle do narrador que não fazem bem pra ele, pros jogadores, nem pra aventura. Inclusive, o impedem de aprender várias ferramentas boas pra narrar.
    E aqui nesse último parágrafo eu ia escrever "... Pra contar uma história." Mas a gente não tem que contar história nenhuma né, a gente tem que narrar consequências e criar situações que ~ofereçam~ demonstrem riscos aos jogadores. Estou certo?

    Pra mim, o que chegou muito perto da experiência que imagino pras minhas narrações foi a aventura de _Blades in the Dark__ que o @⁨Henrique de la Rosa⁩ narrou pra gente. Fluída, divertida, construída por nós e não me dava a sensação de que um erro ou uma má sorte faria com q eu fosse precisar rasgar a ficha

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  3. Eu entendi seu ponto meu querido e acho válido tbm. Durante muito tempo eu me afastei de OSR por ter esse pensamento de alta mortalidade e senso de perigo e zelo q dispara minha ansiedade, até eu jogar uma das melhores sessões da minha vida com o Old Dragon.

    Vc gostar de jogar no estilo seu não tá errado, tá tudo bem. Acho q o q essas discussões sobre rolagem escondida querem trazer para a comunidade é o quanto isso pode afetar o jogo de uma maneira q vc consegue perceber tanto quanto de outra q vc não consegue.

    No meu caso, perceber q eu alterava o resultado para o personagem não morrer me fez perceber q o jogador foi perdendo o senso de perigo e enfrentava qualquer coisa de peito aberto pq ele não tinha medo q nada matasse ele. Para a longevidade da história isso era bom? Talvez sim. Mas aí será o q o jogador realmente está jogando ou vc q está jogando por ele conduzindo?

    Se eu percebesse q o mestre estivesse fazendo isso comigo eu não gostaria. E isso tbm me fez parar com isso.

    Acho q com o mesmo fantasma q ronda o estigma do mestre contra o grupo, e de todo estereótipo q o rpg pode ter, o da OSR ser o jogo pra matar personagem tbm cai nesse assombro.

    O q falta talvez ser difundido mais nas discussões é q OSR, rolagem aberta, agência do jogador, tudo existe e de boa forma, quando existe transparência e justiça em jogo. O jogador precisa ser informado quais as consequências q podem ocorrer caso ele tome certa decisão. Para q ele possa assumir o risco se quer fazer aquilo ou não. A responsabilidade da ação tem q ser dele. Isso trás a real sensação q vc tem poder de escolha sobre seu PJ e não entrar na do mestre q tá contando q quer contar a história dele e vc tá ali tomando decisões q na verdade são só cordinhas q o mestre está puxando sem vc ver te conduzindo para o q ele quer q aconteça.

    Não sei detalhes dessa sua experiência, mas talvez ela tenha te traumatizado de algo q vc pode vir a descobrir q vc gosta ou q pode tirar algo de bom, mas o trauma não deixa. (Isso é achismo meu tá)

    Eu já fiquei traumatizado com mestre tóxico que achava q o jeito dele era o "jeito certo" de jogar q me afastou daquele jogo e q no futuro em uma mesa saudável eu fui ver q eu na verdade gosto daquele jogo.

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  4. Te convido a ler o manifesto. Um abraço =)

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  5. Que fique claro, já que não leram nossa proposta: Oil Fantasy não é OSR. Ela bebe das mesmas fontes, se inspira largamente e tem vários pontos de contato com ela, mas também deriva da geração Forge, dos Storygames, de teoria moderna de game design e outras fontes. Valeu a participação, gente!

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  6. Esse exercício seu, de trazer uma reflexão potente a partir de um "era uma vez..." ( O seu era uma vez, a sua história,no caso) fortalece muito o argumento, pq humaniza você e a discussão.

    Penso que todo mestre que curte ou já curtiu ilusionismos deve se identificar com sua posição - e eles são muitos.

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  7. Como narrador profissional tive a oportunidade de interagir com diferentes tipos de jogadores e mesas ao longo do tempo. Essa vivência me ensinou que cada mesa é única e deve ser abordada de acordo com suas particularidades. Em eventos ou sessões únicas, talvez seja necessário realizar certas manipulações como narrador para aproveitar ao máximo a proposta do jogo.

    Jogos que exigem um maior comprometimento de todos os envolvidos geralmente possuem suas próprias regras, que vão além do sistema escolhido. Todos os jogadores e/ou o narrador precisam concordar com a forma como a história será contada. Isso reforça a importância de uma sessão zero, na qual todos têm a oportunidade de estabelecer esses laços e alinhar suas expectativas.

    Ao longo da minha carreira, já experimentei alegria e arrependimento ao manipular resultados. Alguns jogadores apreciavam essa abordagem, enquanto outros discordavam veementemente. Em certos casos, um grupo que deseja jogar uma aventura pronta pode estar mais interessado em explorar e conhecer o mundo e a história através de seus personagens, do que em ser desafiado pelo sistema.

    Portanto, é importante ter em mente que cada grupo tem suas preferências e maneiras únicas de aproveitar o jogo. Como narrador, é essencial estar atento às necessidades e desejos dos jogadores, buscando encontrar um equilíbrio entre a diversão, a imersão na história e o desafio proporcionado pelo sistema. A comunicação aberta e o estabelecimento de expectativas claras desde o início podem ajudar a garantir que todos tenham uma experiência positiva e satisfatória.

    Nesse sentido, acredito que o Oil Fantasy tenha um papel realmente muito importante para jogadores e narradores que se encontram nessa intersecção de se encontrar nos diferentes sistemas e grupos de RPG. Sei que tenho muito a aprender com as experiências compartilhadas por aqui e acredito que todos podem amalgamar aprendizados para tornar suas sessões únicas.

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    1. Rapaz, benzadeus o tanto de responsabilidade que você coloca sobre as próprias costas como mestre.

      Juro pra você, tem como aliviar isso sem comprometer a qualidade da mesa. Basta abrir mão de tanto controle de uma forma estruturada. E aí é cada um por todos e todos por um. =)

      Nisso, Oil Fantasy pode te ajudar muito. Bora jogar? =)

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